Andressa Bittencourt (andressabitten@opovo.com.br)
O ministro da Fazenda, Guido Mantega, e a embaixadora dos Estados Unidos no Brasil, Liliana Ayalde, assinaram, no fim do mês passado, o Acordo de Cooperação Intergovernamental (IGA) entre os governos brasileiro e norte-americano. O objetivo é a troca automática de informações tributárias.
O acordo prevê que informações sobre contribuintes norte-americanos no País sejam encaminhadas à Receita Federal e, depois, ao “Internal Revenue Service (IRS)” dos EUA. Por outro lado, a Receita receberá das autoridades tributárias norte-americanas informações sobre movimentações financeiras de contribuintes brasileiros em bancos dos EUA.
Segundo o Ministério da Fazenda, o IGA é parte de um esforço mundial liderado pelo G20 para ampliar a cooperação a fim de evitar a evasão tributária. A troca automática de informações, conforme nota do Ministério, será feita respeitando a confidencialidade por ambas as partes.
O advogado e professor de direito tributário, André Mendes, explica que o acordo feito com o Brasil faz parte de uma iniciativa norte-americana de cooperação para a troca de informações tributárias com países do mundo inteiro.
Os Estados Unidos possuem, desde 2010, uma lei (FATCA, na sigla em inglês) que tem o objetivo de fiscalizar as contas de pessoas físicas e jurídicas americanas no estrangeiro com a finalidade de reduzir a sonegação fiscal. “Obviamente, os EUA não podem fiscalizar contas em outros países sem fazer um acordo com eles”, afirma André.
É aí que surge a possibilidade de o Brasil ter acesso a informações bancárias e fiscais de seus contribuintes. “A reciprocidade é o princípio do Direito Internacional que afirma que, quando um país exige algo de outro, o tratamento deve ser recíproco”.
Nesse raciocínio, portanto, quando os Estados Unidos negociam com o Brasil para ter acesso a informações bancárias de norte-americanos, surge, em contrapartida, o direito de o Brasil ter acesso às informações bancárias de brasileiros nos EUA.
Polêmica
Mas ainda é controverso a possibilidade de a Receita obter informações bancárias dos contribuintes sem autorização judicial. O Fisco evoca a Lei Complementar n° 105/2001, que dá margem à quebra do sigilo bancário, para ter acesso a tais dados, mas os tribunais superiores ainda não têm entendimento uniforme sobre o assunto. A lei é objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 4010.
O advogado tributarista Douglas Yamashita critica o “caráter arrecadatório” da LC 105, ressaltando que a Constituição protege o sigilo de dados em seu Art. 5°, XII, permitindo o acesso a eles excepcionalmente. Dessa forma, haveria mais de uma possível aplicação do acordo feito entre Brasil e EUA.
“O IGA pode ser interpretado à luz da Constituição, que permite a troca de informações bancárias desde que haja autorização judicial”, diz. A outra interpretação é a que leva em conta o art. 6° da LC 105. Nesse caso, seria possível obter as informações sem autorização judicial desde que houvesse processo administrativo instaurado contra o contribuinte ou procedimento fiscal em curso.
Ainda não há previsão a partir de quando o acordo terá vigor, pois precisa passar pela aprovação do Congresso Nacional e ser publicado em decreto para ter efeitos.
Quebra de Sigilo
Tributaristas alertam sobre os riscos do acordo
O advogado tributarista Thiago Medaglia alerta que, além da polêmica sobre a constitucionalidade da Lei Complementar 105, que atinge diretamente o exercício do acordo firmado entre Brasil e EUA, existe a preocupação acerca do acesso a dados confidenciais de pessoas jurídicas.
“Pense em uma empresa que vende produtos, por exemplo. Se houver uma troca de informação, os EUA saberão sobre margem de lucros e outros dados comercialmente importantes. Não há a garantia de que o governo não passará as informações para o concorrente, não se sabe até que ponto o outro país pode querer proteger sua indústria nacional”, adverte.
A advogada Alessandra Gonsales destaca que, mesmo que o acordo mencione a preservação do sigilo nas trocas de informações, é possível questionar sua constitucionalidade. Ela afirma que aguarda uma regulamentação da Receita Federal sobre o IGA.
Apesar disso, Alessandra ressalta ser uma tendência a realização de acordos dessa natureza entre os países nos próximos anos. Segundo a advogada, o G20 e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) aprovaram um plano de atuação global para combater a evasão fiscal. “A ideia é que, entre 2017 e 2018, essas informações sejam trocadas com países que não pertençam aos dois blocos”.
Saiba mais
Conforme matéria publicada no O POVO, dia 15 de agosto de 2014, os tribunais superiores não têm entendimento uniforme acerca do acesso a informações bancárias por parte do Fisco sem autorização judicial prévia.
A Receita Federal afirma que “não quebra sigilo”, apenas “requisita informações” às instituições bancárias com base na Lei Complementar n° 105/2001. Segundo dados fornecidos pelo Fisco, até abril de 2012, foram efetuadas 80.290 requisições de movimentação financeira aos bancos, que permitiram a recuperação de R$ 56,2 bi.
Além da ADI n° 4010, tramitam no Supremo Tribunal Federal os recursos extraordinários n° 601314 e n° 389808, que questionam a constitucionalidade da LC 105. O RE 601314 está em tramitação desde 2009, e o RE 389808 foi interposto em 2003. Não há previsão de quando os recursos serão apreciados pelo plenário do STF de forma definitiva.
Links:
http://www.opovo.com.br/app/opovo/leisetributos/2014/10/10/noticiasjornalleisetributos,3329180/brasil-tera-acesso-a-dados-bancarios-de-brasileiros-nos-eua.shtml
http://www.opovo.com.br/app/opovo/leisetributos/2014/10/10/noticiasjornalleisetributos,3329182/tributaristas-alertam-sobre-os-riscos-do-acordo.shtml
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