sexta-feira, 25 de julho de 2014

DANO EXISTENCIAL. Empresa indenizará funcionária que se divorciou por trabalhar demais

Decisão emitida pelo Tribunal Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul determina que a empresa indenize em R$ 20 mil ex-funcionária que se divorciou por "trabalhar demais". A mulher alega dano existencial

Andressa Bittencourt (andressabitten@opovo.com.br)

Uma ex-funcionária da empresa ALL -América Latina Logística terá que ser indenizada em R$ 20 mil por ter-se divorciado por “trabalhar demais”. O caso aconteceu no Rio Grande do Sul e a decisão foi proferida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-RS) na semana passada.

Entre as alegações da ex-funcionária contra a companhia estava a jornada de trabalho muito acima do permitido por lei (oito horas diárias e 44 horas semanais): ela trabalharia, conforme registrado no acórdão, “de segundas a sextas-feiras, das 8h às 21h, com uma hora de intervalo; aos sábados, das 8h às 16h, com uma hora de intervalo; três domingos por mês, das 8h às 13h”.

Por causa da constante ausência da mulher no âmbito familiar, o esposo dela teria rompido o casamento ainda durante a vigência do contrato. O TRT-RS julgou em segunda instância, confirmando a procedência do pedido de indenização por “dano existencial”, mas diminuindo o valor, arbitrado pela 6ª Vara do Trabalho de Porto Alegre, de R$ 67 mil para R$ 20 mil.

Em entrevista ao O POVO, o desembargador do TRT-RS, Marcelo Gonçalves de Oliveira, que votou com o relator no julgamento, afirmou que casos envolvendo alegações de dano existencial têm surgido com frequência nos últimos três anos, mas que o tribunal nunca havia enfrentado situação em que o dano realmente pudesse ser provado.

“O dano existencial causa prejuízo a um projeto de vida da pessoa. É um dano que altera, para sempre, algo na vida de um trabalhador. No caso em questão, o excesso de jornada acabou abalando a vida conjugal e causando o fim do casamento da reclamante”.

Perguntada sobre o assunto, a ALL informou que “os argumentos citados não condizem com a realidade e que irá recorrer da decisão”.

Dano Existencial

Ainda sem previsão expressa na lei, o dano existencial tem sido tratado basicamente pelos pesquisadores do Direito e pelas decisões dos tribunais. É um instituto que tem relação com o dano moral, mas se distingue dele.

A ofensa ocorre quando o empregador exige do funcionário tamanho esforço para trabalhar - com jornadas muito extensas e ultrapassando os limites legais -, que o impossibilita de executar outros projetos de vida, assim como de desfrutar de direitos básicos, como o descanso, o lazer e o convívio social. O dano ainda deve ser, como explica Gonçalves, “definitivo”, permanecendo seus efeitos mesmo após a cessação da conduta lesiva.

Com o impedimento de realizar atividades que lhe trarão bem-estar físico e psíquico e, por consequência, crescimento ou realização profissional, social e pessoal, o empregado tem o direito de pedir a reparação de danos. Tal prerrogativa, no entanto, surge apenas quando a lesão é objetivamente comprovada.

“Nem todo excesso de jornada gera dano existencial”, afirma Emmanuel Furtado, desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região (TRT-CE) e professor da Universidade Federal do Ceará. Ele explica que o pedido de reparação por esse tipo de dano tem caráter indenizatório, diferentemente do pagamento das horas extras, que tem natureza de verba trabalhista. Por isso, é possível um trabalhador pleitear o pagamento de todas as horas prestadas - o que é direito laboral propriamente dito - e, ao mesmo tempo, reclamar a indenização.

O dano existencial, segundo o desembargador Emmanuel Furtado, é um instituto novo, sendo construção da doutrina jurídica e da jurisprudência (decisões dos tribunais). Por não estar expresso legalmente - ou seja, não possuir dispositivos de lei que falem exclusivamente sobre o assunto -, o fundamento para as decisões que envolvam o dano existencial são embasados nos artigos que tratam dos direitos da personalidade, do dano moral e das garantias trabalhistas.

Definição
Dano existencial não é dano moral


Embora sejam classificados como “danos imateriais” e utilizem quase os mesmos fundamentos jurídicos, no entanto, o dano moral e o dano existencial não se confundem.

O dano moral tem origem no Direito Civil, podendo ser alegado quando há uma lesão genérica a um direito da personalidade (honra, integridade física ou intimidade, por exemplo), provocando sofrimento, angústia, vergonha ou dor. Já o dano existencial decorre de uma frustração na realização de outros projetos, ocasionando, por consequência, prejuízos a direitos da personalidade, assim como a perda da qualidade de vida. O dano existencial tem origem italiana e vem sendo alegado primordialmente em eventos de âmbito trabalhista.

Por serem institutos diversos, é possível pleitear indenização por dano moral e existencial conjuntamente, desde que tenham sido oriundos do mesmo fato.


O QUE DIZ A LEI

Sem previsão expressa no ordenamento jurídico brasileiro, a configuração do dano existencial é embasada nos artigos que tratam dos direitos da personalidade, do dano moral e das garantias trabalhistas:

Consolidação das Leis do Trabalho - CLT
Da jornada de trabalho
Art. 58.
A duração normal do trabalho, para os empregados em qualquer atividade privada, não excederá de 8 (oito) horas diárias, desde que não seja fixado expressamente outro limite.
Art. 59. A duração normal do trabalho poderá ser acrescida de horas suplementares, em número não excedente de 2 (duas), mediante acordo escrito entre empregador e empregado, ou mediante contrato coletivo de trabalho.

Código Civil
Da reparação de danos
Art. 12.
Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Constituição Federal
Dos direitos e garantias fundamentais

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...]
V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; [...]
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

Das horas extras
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: [...]
XVI - remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinquenta por cento à do normal.

Links: http://www.opovo.com.br/app/opovo/leisetributos/2014/07/25/noticiasjornalleisetributos,3287425/empresa-indenizara-funcionaria-que-se-divorciou-por-trabalhar-demais.shtml
http://www.opovo.com.br/app/opovo/leisetributos/2014/07/25/noticiasjornalleisetributos,3287428/dano-existencial-nao-e-dano-moral.shtml

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