Andressa Bittencourt (andressabitten@opovo.com.br)
O Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF 3) derrubou multa imposta pela Receita Federal contra a empresa Master Comércio Importação e Exportação de Cosméticos e Saneantes. A decisão do desembargador Nery da Costa Júnior, proferida no fim do mês passado, teve como base a quebra de sigilo bancário sem autorização judicial prévia.
A Receita Federal se defendeu, alegando que o auto de infração foi realizado de acordo com as normas vigentes e que não houve quebra de sigilo bancário. Segundo consta na decisão, o Fisco afirmou que “a inviolabilidade do sigilo de dados não é um direito absoluto, devendo o referido dispositivo ser interpretado em consonância com as demais normas constitucionais”.
O desembargador, ainda assim, concedeu tutela antecipada suspendendo a multa. De acordo com o voto do relator, o Supremo Tribunal Federal “assentou o entendimento de que a quebra do sigilo bancário para fins de fiscalização de obrigações tributárias é inconstitucional”.
Inconstitucional?
A Lei Complementar n° 105/2001, que foi utilizada na defesa da Receita Federal, é objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 4010. A lei sofre questionamentos, pois dá margem à quebra de sigilo bancário sem autorização judicial.
O advogado tributarista Gladson Mota ressalta ser correta a interpretação do TRF 3. “A base de qualquer lei é a Constituição. Qualquer dispositivo legal tem que respeitá-la”.
Mota explica que as autuações que o Fisco realiza mediante dados fornecidos por bancos e que se sustentam na LC 105/2001 são nulas.
Sem entendimento
Leandro Vasques, advogado e professor da pós-graduação da Universidade de Fortaleza (Unifor), afirma que o tema é polêmico e que não há entendimento uniforme entre os tribunais. “O próprio STF tem proferido decisões contraditórias, ora entendendo indispensável autorização do poder judiciário, ora permitindo que o Fisco tenha acesso livre aos dados”.
Vasques defende que a obtenção de informações bancárias sigilosas sem ordem judicial vai de encontro às garantias constitucionais de intimidade e privacidade. “Eu me alio à corrente que compreende inconstitucional, tendo em vista a preservação da segurança jurídica no Estado Democrático de Direito”.
A Receita Federal afirmou, em nota ao O POVO, que “não quebra sigilo”, apenas requisita informações aos bancos e instituições financeiras que as prestam com base na legislação vigente. “Quebrar sigilo é tornar público algo que outrora estava sob sigilo. As informações bancárias obtidas pela RFB, com base na Constituição Federal permanecem sob sigilo fiscal, com base no art. 198 do CTN”.
O advogado tributarista Rocha Neto explica que o fornecimento de informações bancárias diretamente ao Fisco sem autorização prévia é inconstitucional não só porque vai ao encontro de princípios da CF/88.
“O lançamento de exações e/ou multas efetuado unicamente com base em extratos ou comprovantes de depósitos bancários não procede, tendo em vista que tais depósitos não caracterizam base de cálculo de
tributos”, argumenta.
O advogado ressalta que os depósitos não comprovam, por si sós, que o correntista seja o proprietário de todos os recursos que transitam na conta. Por isso, segundo ele, é necessário que o processo administrativo se apegue à lei.
Rocha Neto destaca ainda que os tribunais não entendem o assunto de forma homogênea. Ele cita o julgado do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, de 3 de junho deste ano, que contraria a interpretação do TRF 3, defendendo a imediata aplicação da LC 105/2001. “A assunto está longe de ser pacífico na jurisprudência”, diz.
DICIONÁRIO
Sigilo Bancário
Obrigação legalmente imposta às instituições financeiras de manter em sigilo as operações que realizem, em cumprimento ao direito fundamental à intimidade. Diz respeito às movimentações financeiras entre contas de pessoas físicas e jurídicas, tais como transferências e negociações. Está previsto na Constituição Federal e na Lei Complementar n° 105/2001.
Sigilo Fiscal
Obrigação legalmente imposta aos órgãos de fiscalização federal, estadual e municipal de manter em sigilo as informações prestadas pelos contribuintes (pessoas físicas e jurídicas) nas declarações de imposto de renda.
Links:
Nenhum comentário:
Postar um comentário